dezembro 24, 2007


reclama, reclama, reclama. só abre a boca pra isso. a vejo colada aos cantos resmungando para a perede do oco do corpo, das pernas que pendem, do tato que se esvai. abre a boquinha contando palavras, sussurando dias e noites de plena lembrança dolorida e rouquidão interna. abotoa com um botãozinho a boca há pouco escancarada de pavor. tem um ar muito virginal e não me parece ter sido de alguém em nenhuma de suas vidas, mas de virginal só deve ter o ar, de vez em outra lhe escapa uma dessas histórias cabulosas. enrroscada dos pés a cabeça. duração de anos, três, cinco deles e o rosto liso, livre de qualquer preocupação ou vincos...

N.

junho 25, 2007

incompleto

Tinha uma estatura pequena, porém seus ombros e braços definiam-se sob a blusa. tinha um rosto magro, as bochechas encolhiam-se suavemente e os olhos brilhavam pequenos com dizeres subtendidos. as unhas vermelhas e quadradas guarneciam as mãos ásperas de veias saltadas. Vinha todos os dias na mesma hora e pedia sempre a mesma coisa, um café simples para viagem. Sentava-se longe dos outros e fazia-se desinteressada pelas trivialidades das conversas matinais dos demais. Carregava consigo um livro surrado de capa preta e páginas amareladas, ficava ao lado observando de canto de olho qualquer olhar fixado na sua incógnita. Todos pareciam conhecê-la e ao mesmo tempo procurar alguma resposta para o seu anonimato. Tinha gestos suaves e uma mania incontrolável de tocar os cabelos. as vezes a via escrevendo num grande maço de papéis dobrados ao meio olhando de esguelha para quem chegasse perto.
o contato físico era quase impossível, uma vez ou outra procurava suas mãos sobre o balcão, ela com um olhar de falso desinteresse deixava os pulsos à mostra, eram pulsos finos fazendo o relógio abotoar na última casa e ainda assim sobrando espaço na pulseira. peguei-a olhando-me por de trás do livro, sorrindo com a conquista, pois sabia perfeitamente que os meus olhares agora eram dela. as pessoas eram sua diversão, sorria por dentro a cada encontro de olhares, trocávamos palavras de agradecimentos pelo menos duas vezes por dia. conhecia-me tão bem quanto o mais íntimo dos meus relacionamentos, dela eu sabia só o nome.

N.

março 26, 2007

O dia seguinte.

Esse tipo de coisa sempre acontece nas horas vagas de uma noite longa. não todas as vezes, mas na maior parte delas. é o tipo de coisa que se deve pensar muito bem antes de se fazer. antes e depois. Mas depois a gente sempre pensa e pensa o dobro pra compensar a falta de pensamento. o pior é que me pergunto: faria de novo? não sei, faria? sim, claro. uma delícia de vício.
de errado? quase tudo.
o dilúvio de pensamentos turbilhonados numa noite fria de um mês impróprio. e se pudesse voltar atrás? voltaria, com certeza. voltaria e lhe daria um soco nas têmporas seguido de um belo chute no estômago. até cuspiria em cima pra dar aquele toque de acabado.
ai está, fodi com você de vez.
literalmente ou não, agora já não faz tanta diferença assim.
Mas aquela noite suas mãos estavam tranqüilamente colocadas sobre o colo e eu sabia, tinha a certeza de que não deveria, mas isso pra mim nunca foi e continua não sendo um motivo muito concreto, de qualquer jeito, agora só me resta esperar por alguma outra parte que faça algum tipo de sentido.

N.

fevereiro 15, 2007

verde claro.

Um par de olhos sorrindo de longe procurando alguma coisa para olhar, olha fixo através dos meus. O fundo acinzentado pulando pra fora dos olhos, o sorriso de lado no rosto. Rondava por mim caçando olhares, se escondia atrás de outros olhando de longe como se fosse algum tipo de jogo. Não perguntava nada, tão menos respondia, só dizia as coisas, uma atrás da outra, falando rápido, trocando as letras, se perdendo entre os murmúrios. Esperava pelos meus olhando no relógio, caminhava impaciente com os pés descalços em frases soltas. Sorria e tentava dizer alguma coisa nos segundos que se passavam, sorria de volta andando devagar sentindo seu olhar pelas costas.

N.

fevereiro 13, 2007


pega um cigarro amassado de dentro do bolso, acende. a fumaça vai consumindo tudo tudo até soltar aquele rangido. é falta de óleo.falta de óleo sim ,eu sei que é, eu sei.nhem nhem vai ficar fazendo até não agüentar mais . dai vai e acende outro, mas um daqueles outros. a fumaça te enrosca, aperta, e faz apitar tudo, um silencio absoluto. mas volta fazer nhem nhem nhem e é essa a hora que você sabe que tem que dormir e acabar de vez com o atrito dos pensamentos.

N.

fevereiro 10, 2007

E dói lá no fundo. dói doido, corroe. corroe perna, corroe braço, músculo e osso, corroe o sangue, a mente, o brilhantismo amansado. Te come por dentro, deixa podre. podre mesmo igual uma maçã, cheia de bicho, fel, ódio, escarro. cospe cospe e sai bicho e mais bicho. podridão. Ai que nojo! Nojo. Nojo de você e desses seus bichinhos come-come.


N.